Planejamento de dados
A produção de dados, no contexto da bioestatística, é a base para responder questões científicas de interesse. Esta etapa é fundamental no método científico, pois mesmo as análises estatísticas mais sofisticadas não conseguem compensar dados coletados a partir de um planejamento inadequado ou mal executado. Um estudo bem-sucedido começa com um planejamento cuidadoso, buscando responder a perguntas essenciais:
- Qual o objetivo central da investigação?
- Qual a população que queremos estudar?
- Qual amostra será efetivamente analisada?
- Quais variáveis precisam ser medidas para atingir o objetivo?
- Quais são os resultados esperados ou possíveis?
- Quais são as potenciais fontes de viés (erros sistemáticos) que podem comprometer as conclusões?
Exemplo 1 (Mosca das frutas) Imagine que pesquisadores em entomologia agrícola queiram avaliar a eficácia de um novo tipo de armadilha para monitorar a população da mosca-das-frutas sul-americana (Anastrepha fraterculus), uma praga importante em pomares de citros no Sul do Brasil.
O primeiro passo é definir claramente a população de interesse. Idealmente, seriam todas as moscas A. fraterculus em todos os pomares de citros da região. No entanto, por questões práticas, a população alvo frequentemente se restringe às moscas presentes em um ou alguns pomares específicos onde o estudo será conduzido durante um determinado período (por exemplo, durante a safra de laranjas).
O segundo passo é selecionar a amostra. Neste caso, a amostra não seria composta por moscas individualmente capturadas e levadas ao laboratório, mas sim pelos dados coletados das armadilhas. Os pesquisadores poderiam instalar, por exemplo, 20 armadilhas do novo tipo e 20 do tipo padrão (controle) em locais aleatoriamente selecionados dentro do pomar. A amostra seria o conjunto de contagens de moscas em cada armadilha ao longo de várias semanas.
O terceiro passo envolve definir as variáveis de interesse e como medi-las. A principal variável resposta seria o “número de moscas A. fraterculus capturadas por armadilha por semana”. Outras variáveis poderiam incluir a espécie de mosca (para garantir que se está contando a espécie correta), a localização da armadilha no pomar, e talvez dados climáticos locais (temperatura, umidade).
Este exemplo ilustra um ponto crucial: muitas vezes, especialmente em estudos de campo em ecossistemas agrícolas ou naturais, não estudamos diretamente a população inteira. A seleção do pomar (ou da área de floresta, ou do corpo d’água) e a forma como as amostras (ou dados) são coletados são decisões críticas. Os pesquisadores não conseguiriam monitorar todos os pomares da região. Consequentemente, as conclusões sobre a eficácia da nova armadilha obtidas neste pomar específico precisam ser cuidadosamente avaliadas antes de serem generalizadas. A capacidade de estender essas conclusões para outros pomares ou regiões depende não apenas da análise estatística dos dados coletados, mas também de considerações biológicas, agronômicas e ecológicas sobre quão representativo é o local e as condições do estudo.